segunda-feira, 26 de abril de 2010

projecto tudo jóia

o projecto nasceu de um convite. que nasceu de outro convite anterior. materializou-se num workshop com uma dezena de alunos/as do curso de Joalharia do ar.co., em Lisboa. o grupo começou a trabalhar em duas peças. mas antes, igualmente em colectivo, escreveu-se um texto, que aqui partilhamos.
este espaço é doravante do projecto:

TUDO J.Ó.I.A. (Jóia + Intervenção + Arte).


Jewel (h)as a voice, maybe a gender, or not.

Nasci no dia 16 de Abril. Como a Carolina Beatriz Ângelo, a primeira mulher a votar em Portugal e em toda a Europa do Sul. Corria então o ano de 1911. Só que ela nasceu na Guarda e eu nasci em Lisboa, onde hoje o Sol nasce às 6h22m e põe-se às 19h00. Gosto de sentar-me na ponte e assobiar uma canção, talvez não a cantá-la, apenas assobiá-la para que toda a cidade a ouça: “Sou uma jóia! Sou linda e radiante!” Mas correndo o risco de soar frívola e arrogante, preciso compreender o meu passado, para falar do meu presente, para pensar num futuro e de mostrar os meus sonhos. Sonhar. Sonhar. Gritar. Sussurrar. Cantar. Mostrar. Por vezes não canto. Não grito. Apenas (faço) silêncio para ouvir o inaudível. Atiro-me ao rio, mergulho fundo e nado tanto quanto posso. Sabe-me bem sentir a água a polir-me o corpo. Mas onde me leva essa imensidão?! Será que preciso de tanto espaço para pensar naquilo que eu sou... naquilo que gostaria de ser... eu apenas. Sem qualquer forma nem cor obrigatória. Posso tomar qualquer forma, às vezes sou linda, outras vezes horrorizo, mas sou sempre eu. Sempre atenta aos mais pequenos detalhes... Um olhar, um cheiro, um sabor, uma cor... presa a um novo lugar.
Um novo lugar a cada instante, pois sou móvel, tanto quanto o corpo que habito. Móvel no espaço e nos sentidos, pois cada vez que me vêem produzo novas interacções de mensagens. Sou um vínculo unificador, mais do que um adorno, ou um símbolo... Sem o “outro” sou pouco, tal como o indíviduo que me assume. Gosto de provocar o olhar do mundo, para que deixe de me ver apenas como uma jóia...

As in a work of art, the role of the artist (an individual or collective being) by its own conceptual nature has a creative and spiritual influence in the everyday life. That’s what is expected of an author – a universe of inspiration – whether he/she express himself/herself through a careful selection of the materials, or through the final design in a piece of work. Where should we start?

I was born in the 16th of April, like Carolina Beatriz Ângelo, the first woman to vote in Portugal and in all of South Europe. That was in 1911. She was born at city of Guarda and I was born in Lisbon, where today the sun rises at 6.22 am and falls at 7 pm.
I like to sit down on a bridge and sing a song, perhaps not sing, just whistle or even better shout out loud for the whole city to hear: “I am a jewel! I am beautiful and radiant!” But at the risk of sounding vain and arrogant I need to understand my past, to talk about my present, to think about a future and to show my dreams. Dream. Dream. Shout. Whisper. Sing. Show. Sometimes, I don’t’ sing. I don’t shout. Just silence to hear the inaudible. I jump into the river, dip down and swim as much as I can. It’s good to feel the water polishing my body. But where takes me that immensity? Shall I need all this space to think in what I am… in what I would like to be.. I just am. Without any form, sometimes I’m beautiful, other times I horrify, but I’m always me, always attentive to a small detail… a look, a smell, a flavour, a colour, stick at a new place.
A new place in every moment, because I’m mobile, as much as the body I inhabit. Mobile in space and in the senses, because each time I’m seen I produce new message interactions. I am an unifier link, more than an ornament, or a symbol… Without the others, I’am little, as the individual that assumes me. I like to be provocative to the look of the world, in order to just see me as a jewel…

projecto tudo jóia (II)


Carolina Beatriz Ângelo nasceu na Guarda em 1878, e licenciou-se em Medicina em 1902. Pertenceu ao Comité Português da Associação Feminina Francesa La Paix et le Désarmement par les Femmes, um grupo que pretendia a resolução dos conflitos internacionais através de uma arbitragem exclusivamente feminina. Já viúva quando se deu a revolução de 5 de Outubro de 1910, e dirigente da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, Carolina Beatriz Ângelo conciliou os seus ideais sufragistas com o novo regime republicano e votou nas primeiras eleições de 1911. A lei de então dizia que podia votar todo o cidadão maior de idade (21 anos), que soubesse ler e escrever e fosse chefe de família. Por isso, a 28 de Maio de 1911 ela foi a primeira mulher a votar nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, acto que mereceu a cobertura de jornais de toda a Europa. Após este episódio, os republicanos alteraram a lei que passou a ditar que só poderiam votar os cidadãos do sexo masculino. A capacidade eleitoral só vem a ser atribuída às mulheres em 1931, com determinadas exigências de habilitações literárias e, finalmente, após o 25 de Abril de 1974 foram abolidas todas as restrições.

Esta «jóia» do sufragismo português e europeu foi alvo de uma homenagem feita pela associação UMAR no passado dia 16, quando uma árvore foi plantada em nome dela no parque da Bela Vista, em Lisboa.